segunda-feira, setembro 15, 2008

Quando a sombra não se move, os olhos saltam.

Essa história (ou estória, como diria Guimarães Rosa) foi um "presente" que o Pedro me deu.

Estava no calçadão de Ipanema. Graças a Deus, as aulas haviam acabado. Eu nunca fui um exemplo de bom aluno, mas também, nunca fui relapso quanto aos assuntos escolares. Era um menino magrinho, com enormes cabelos encaracolados. Eu não gostava muito do meu cabelo, mas mamãe sempre disse que era legal e eu sempre acreditei nela. Naquele dia, o sol estava muito forte, e eu era capaz de sentir minha roupa queimando minha pele. A água do Guaíba conseguia amenizar um pouco a sensação de caldeira que pairava sobre Porto Alegre, mas não era suficiente.
Papai sempre me levava para passear após chegar em casa. Na época, eu não entendia muito bem o porquê de ele ter que trabalhar vestindo aquelas roupas: um terno preto, camisa, gravata e um sapato que deixava o pé dele parecendo uma prancha de surfe. Sempre quando ele chegava, eu usava os gigantes pés dele como apoio, ficava na ponta dos meus, e papai me carregava por toda a casa. Depois disso ele vestia uma camisa verde com flores coloridas, um calção folgado, um boné. Colocava minha bicicleta que ganhei de natal no carro e íamos até o calçadão.
Espantado, reparei que não havia uma viva alma naquele dia em frente ao lago. Meu lugar preferido para brincar estava vazio, pela primeira vez. No entanto, eu achava tudo muito parado e não muito convidativo. Ninguém pra brincar comigo, a não ser papai. Ele me divertia, mas não conseguia ficar muito tempo agachado na areia fazendo garagens para os meus carrinhos, ele sempre dizia que os joelhos lhe doíam muito, que sentia as costas. Normalmente, eu não me importava, pois todo o pessoal de Ipanema se encontrava ali para podermos montar nossos super estacionamentos e fazermos corridas de bicicletas mega velozes para vermos quem era mais rápido. Não nesse dia. Não naquele momento. Eu me sentia bem solitário, até pensei que ter minha irmã por perto poderia ser uma boa idéia.
Sombra sozinha, areia sozinha, bicicleta sozinha, pai sozinho, eu sozinho. Lago sem graça, sol sem graça, brinquedos sem graça, eu sozinho e sem graça. Queria muito ir embora. Queria mamãe, minha casa. Papai não parava de ler aquele jornal. Jornais me pareciam muito desinteressantes naquela época, não que hoje tenham mudado muito de perfil para mim. Por outro lado, não queria magoar papai pedindo para ir para casa tão cedo. Os minutos se arrastavam, nem os segundos, se quer, pareciam passar rapidamente. Nada se movia, tudo era um quadro estático que me aborrecia a cada imóvel vento que batia no meu cabelo – o que o deixava cada vez mais suado, mais bagunçado, mais em pé.
Foi ai, em um instante que precedeu o choro da mágoa, que percebi uma criança se aproximando. Ninguém pode saber o quão feliz eu estava! Sim, um companheiro para montar o clube de luta! Talvez fosse uma menina querendo brincar de casinha, geralmente essa idéia não me alegraria, mas naquele momento não importava, estava, verdadeiramente, feliz. Olhei de novo, não parecia ser uma menina. Olhei mais uma vez: não conhecia o menino que se aproximava de mim. Fui em direção ao papai, talvez ele pudesse me ajudar, reconhecê-lo, me contar que ele era um vizinho novo que acabava de chegar no bairro. Imaginei como seria legal ter um novo amigo. Quem sabe, ele poderia estudar no meu colégio! Ser da minha turma! Será que ele gostava de futebol?
De repente, fixei bem meus olhos naquela figurinha: era baixinho, um pouco gordo. Poderia servir para brincar de luta. Mas ele parecia ser mais velho, mesmo não tendo minha estatura. Bom, poderia servir para cavarmos tubos subterrâneos. Fitei-o novamente, ele vinha guiando algo, puxando-o por um cordão. Poderia ser um caminhão de cimento. Na medida em que o pequeno ser se aproximava, mais confuso eu ficava quanto a sua duvidosa procedência! Parecia ser, mas não podia...
Por um segundo, não tive dúvidas, ele se aproximou e antes que pudesse falar qualquer coisa eu logo disse “Papai, olha só, um gnomo com um cachorro gnomo!”.Papai me puxou forte pela mão, pediu desculpas, completamente envergonhado, ao anão com seu bassê.