segunda-feira, abril 28, 2008

Divã

Poderia ser uma cena memorável, digna de filmes épicos, com meia-luz, um piano ao fundo, e um pano histórico invejável: uma grande missão ou ainda uma grande façanha; contudo, isso não é como a gente fantasia nem todas as nossas fantasias são, na realidade, objeto de desejo real nosso. Tu podes te estar perguntando: “Por que começar uma autobiografia assim?!”, realmente...nem eu poderia explicar. São muitas as razões pelas quais podemos criar, mas nenhuma pode ser apreendida por inteiro.


Gostaria de que agora todos fossem abduzidos para dentro dessa história, como fazem os grandes escritores, sim, os grandes Machado, Veríssimo, Cabral de Melo Neto, Cecília, Lygia, Millôr, Saramago...demasiado cedo para que isso aconteça. Me contento com tua mínima atenção e com tua mínima observação.


Quando eu tinha dois anos, meus pais se enganaram quanto à quantidade correta de leite e água a serem misturados para sanar a falta de leite materno, alguns dizem que por isso fiquei assim.


Morei em diversas cidades, e acho que mais criei brigas do que amigos, por outro lado, aprendi mais do que talvez eu acredite. Recentemente, morando sem meus pais, pude notar diversas coisas que só noto por essa condição (na realidade, sei que essa experiência é uma das mais importantes da vida das pessoas, esse afastamento – premeditado, ou não – vem a ser como um convite a viver a sua vida inteiramente, e não com se ela fosse regida ou observada de perto por outras pessoas). Costumo contar aos meus amigos, e se lhe conto é por que lhe tenho como amigo, uma frase que pode resumir toda essa nova fase que começo a ingressar: quando estava em casa, minha mãe sempre me pedia para que tirasse o pó dos móveis e eu lhe respondia que não precisava tirar o pó disso todos os dias; agora já morando sozinha vejo uma acumulação de poeira em meus móveis – que não identifico ao certo de onde venha – que pede minha atenção e higiene diária. Pois é, e assim vai.


Apesar de que, acho que o mais difícil é ter a coragem e a força de encarar os desafios, sejam eles pequenos e corriqueiros ou grandes e dispendiosos. Saber se sair bem de situações, podes acreditar em mim, nem sempre é muito fácil, e exige destreza, precisão, habilidade e um pouco de safadeza. Trabalho e estudo, e me sobra um tempo de tomar umas e outras, quando a grana permite que isso se faça. Não, tu deves estar pensando que eu odeio isso; claro que não! Eu amo o que faço, aceito minha condição, e tento fazer tudo da melhor maneira possível. Esse é um dos melhores jeitos de se viver (e lembre-se, às vezes, o conformismo se transforma na melhor forma de protesto). Ter um objetivo é planejar, é suor, é luta. E sei do que estou falando.


Ao andar pela rua, quando chove no teu rosto, tu não acha que é maravilhoso ter a chance de estar ali, exatamente naquele lugar, recebendo incondicionalmente aquela gota de chuva, enquanto todos estão ao teu redor, sem muito ter ligação a ti, mas sim, sempre ali, prontos pra qualquer tipo de ação. Isso é vida, isso é viver, saber que temos a oportunidade de usufruir. Agora não me venhas indagar como isso fará diferença para ti, por que o que pretendo te mostrar é que justamente não há necessidade em ser necessário, há necessidade de ser. Se todos nós fôssemos um pouco mais, tentássemos um pouco mais, conseguíssemos um pouco mais...


Sei de onde vim, sei (mais ou menos) quem sou, sei o suficiente para saber que sou muitas, e todas essas que vivem em mim são muito mais do que um simples fato pode mostrar. A complexidade que envolve o ser humano é digna de discussões socráticas, ou de roteiros indianos.


Tive boas e más experiências na minha vida, entretanto, o período de escola... ahh... a escola. Deus meu, leitor, tu não trazes lembranças dantescas de tua escola? Eu detestava todo seu funcionamento, sua hipocrisia e sua falta de companheirismo. Tudo na escola é busca de afirmação individual. Acho melhor parar por aqui... o que me alegra é pensar que essa era uma das poucas escolas que há no mundo todo, e que muitas outras podem ser diferentes.


E por que não, agora, trazer uma reflexão futurista? Minha vó, meu caro, diz que quando criança ela acreditava que no século XXI toda a comida seria em ! Dá pra acreditar, imaginem comer o delicioso tortéi da nona em pó! Graças a Deus isso não aconteceu. No entanto, quanto ao nosso futuro, ao teu, ao meu, ao do teu filho e ao do teu vizinho!? Não lhe parece estranho pisar a areia movediça? Eu gosto de pensar que ainda estarei aqui quando eu puder desfrutar de uma casinha e de uma janela. Posso até pensar em desaposentar a máquina de escrever da mãe, ou usar uma pena que meu vô me deu certa vez. Pensar no futuro é pensar em nossas realizações, nossos desejos. Já pensou? Talvez no futuro tu possas me ler de novo, com mais atenção, mais questionamentos e mais respeito, e contará, orgulhoso, que conversei contigo. Eu, certamente, terei mais objetivos a alcançar, mais metas, mais lutas, mais percalços, por outro lado, espero também ter mais coragem, mais segurança, mais armas e mais sabedoria. Enquanto à cena memorável, bem...essa, podemos deixar pra lá.

5 comentários:

Ângela disse...

Guria, que texto é esse!
Fiquei emocionada mesmo... Muito real, me identifiquei com várias partes (será que todo mundo se sente assim quando vem morar na "capitar"?? uiaheuie).

Quanto ao meu blog, modero os comentários porque é um ditadura, só vai aparecer o que eu quiser! haha

Continua postando essas tuas idéias lindas para que eu possa pensar tanto quanto agora!

Beijo!!

Débora Gallas disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Débora Gallas disse...

"Ao andar pela rua, quando chove no teu rosto, tu não acha que é maravilhoso ter a chance de estar ali, exatamente naquele lugar, recebendo incondicionalmente aquela gota de chuva"

A gente só se preocupa com a gripe que virá, sem admirar esses pequenos contatos com a natureza, uma forma de escapar do nosso dia-a-dia.
Cara, quase chorei lendo teu texto! É sério! Continua nessas, tu vai ser uma jornalista maravilhosa! Beijo, minha bésti querida!

Fernanda disse...

Adorei esse teu texto, Lica.
Quando tu leu na aula eu fiquei ali parada só ouvindo e refletindo... Muito tocante!
Parabéns!
Vou passar mais por aqui, e espero também que tu continue lendo teus textos nas aulas de português!
=D

Beijões!!

Mariana K disse...

fantástico!! às vezes quando nos afastamos das pessoas e vislumbramos um abismo de diferenças que nos separam - ainda mais depois de muitos anos - fica difícil entender o que nos ligava a elas...
apesar de ser completamente atual pra mim, porque estou passando pelas mesmas situações que tu, enquanto eu lia esse texto me senti como transportada para um outro tempo... hehehe.