segunda-feira, outubro 13, 2008

Remetente

Conto a partir de uma notícia de jornal: http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL754115-5602,00-CARTEIRO+ESCONDE+MAIS+DE+MIL+CARTAS+NA+ALEMANHA.html


Ter achado aquela lingerie preta ao lado de um chicote e uma máscara ao fundo do armário da mulher era algo que realmente não precisava ter acontecido. Luiz chorava desesperadamente diante do corpo do homem, talvez porque pensasse que ter matado o vizinho fora uma atitude extrema. Nunca chegou a levar a sério o fato de que ela pudesse, um dia, chegar a lhe trair.
Bega era meiga, simples, mulher de poucos caprichos, boa dona de casa. Luiz quase não tinha tempo para almoçar; seu trabalho lhe consumia quase todas as horas de sol do dia e, à noite, já cansado, deitava-se cedo, acordava cedo; nos finais de semana saia pra jogar futebol, fazia um churrasco, trabalhava para adiantar relatórios para segunda, e, se não estivesse fazendo nada disso, estaria descansando já que as semanas eram exaustivas.
Mas, não havia porque chorar, nem porque perder a calma. Tinha que esconder o corpo, pegar suas malas e fugir para Innsbruck, cidade austríaca onde estavam morando seus avós. Por outro lado, deixar a vida que tinha conseguido montar não era tarefa fácil. Deixar o trabalho, os amigos, sua casa, a reputação de bom-moço, da qual sempre se orgulhara tanto, e abandonar Bega. Coitada da menina, quando criança, morava em um bairro pobríssimo do subúrbio da cidade, conhecera Luiz em uma entrevista de emprego: no currículo dele constava programador de sistemas, no dela, auxiliar de secretariado. Luiz a achava discreta, simpática, bem arrumada (mesmo pertencendo a uma classe social baixa) e no seu rosto havia um ar servil que lhe chamava a atenção. Convidou-a para sair algumas vezes, pouco tempo depois ela estava morando em sua casa. Luiz gostava de sua companhia, do tempero que botava no feijão, das torradas quentes de manhã e do chinelo à beira da cama à noite. Ele não entendia o porquê daquilo tudo, sempre lhe comprou os melhores presentes, gostava de vê-la sempre bem vestida e por isso lhe comprava as melhores roupas. O anel de noivado era de rubis!
Agora, olhando para aqueles olhos já sem fio de vida, lembra de como foi ter pegado o machado já com intuito de matá-lo, ter se dirigido até a garagem – a mesma garagem fria e úmida em que os vira juntos –, esperar que ele saísse do carro e lhe golpear entre o crânio e as costas. Pôde até sentir que cortava sua coluna, teve que dispor de mais força. Imóvel, o cadáver nem havia visto o rosto daquele que o impedira de ver Bega mais uma vez. Menos mau que Luiz não havia a encontrado durante todo o dia de hoje e de ontem, certamente perderia sua coragem.
Jogou o corpo da ponte, entrou no carro e não olhou para trás. Entre os bancos da frente, estava o lenço que Bega usou no pescoço quando ele lhe dera um soco na nuca, ele tinha lhe avisado para nunca mexer nas suas coisas. Sentira saudades dela nesse momento. Se não tivesse ido procurar sua gravata no armário dela, talvez nunca descobrisse aquela lingerie, ou aquele chicote, ou aquela máscara. Lingerie, chicote, máscara. Contudo, o pior fora ter encontrado os dois se beijando e caindo sobre a mesa da garagem da casa do vizinho.
Não era justo, pelo menos não para ele. Mais injusto - dessa vez com Bega, talvez, fosse que ele nunca haveria de encontrar a carta em forma de verso que ela lhe escrevera um dia antes de tudo acontecer:
“Luiz,
Quem sabe um dia me olhes,
Quem sabe, um dia possas reparar em mim.
Tenho sentimentos que não sentem por ti,
Olhos que não olham pra ti,
Pensamentos que não pensam em ti.
Há tempo, decidi não dar à dor
Uma vida perdida que tive.
Uma chance tu me roubara,
Nunca, nem sequer tentara
Por mim dedicar algo que valha
Um tanto mais que teus planos.
Hoje, fujo dessa farsa
Não quero de ti nada
Ódio, desprezo ou, agora, amor.
Só espero que consigas,
Ao menos uma vez na vida,
Perceber que há no mundo
Muito mais do que tu te propões.”

Um comentário:

ninabt disse...

fiquei um tempo pensando o que era parantagonico... e fiquei com vergonha de perguntar. agora já estou mais aliviada.
achei muito chique esse negócio de tu já ter blog. beijo, marina.